24/11/2010

Ela

Ela olhou para trás e viu a porta bater. Sentiu como se um fio gelado passasse por dentro de sua espinha; tremeu. Deveria ter olhado pouco antes de ele sair? Como se aquela fosse a última vez? Seria aquela a última vez?

Ela voltou o olhar à revista que estava aberta à sua frente. Meneou a cabeça, sentiu o estômago torcer, a garganta, trancar. Será que ele havia olhado para ela antes de sair? No que ele pensou? Sim, porque ele pensou em alguma coisa. Impossível não pensar...

Ela havia sido fria. Fria, cruel, extremamente desprovida da exaltação que lhe era inerente. Não precisava ser assim, não queria. Mas como iria se defender se não o fizesse? Reagiu mal, bem mal. Sabia disso. Ela só o ignorava porque ele era incapaz de reconhecer sua tristeza, ou de entendê-la.

Ela pensava e lia a revista. As palavras, as linhas, os parágafos, pareciam surgir de acordo com seus pensamentos, como se estes tivessem sido traçados previamente por algum jornalista. Percebeu que não conseguia se concentrar se a cabeça não descansasse. Não fazia ideia do que havia lido nos últimos 20 minutos. Fechou a revista e se levantou.

Ela caminhou. Sentiu os pés descalços no chão de taco, meio geladinho, meio confortante. Como um abraço de verdade, um carinho que relaxa. Recordou-se da última vez em que ele a havia abraçado com força, do último momento em que se sentiu protegida, amada. Foi difícil buscar na lembrança, parece que eles estavam distantes há tanto tempo...

Ela se jogou no sofá e arrumou as almofadas do jeito que fazia todas as vezes que desejava que o mundo a esquecesse. Sentiu que os únicos braços que poderiam ampará-la eram os do sofá. Ali permaneceu, com a cara enfiada na montanha de almofadas. E quase dormiu.

Ela despertou com o barulho da porta se abrindo. Era ele. Voltara com uma garrafa de vinho e o almoço comprado, como combinado. Ela demorou a levantar, ele pensou que estava cansada. Ela não tinha muito apetite, ela achava que estava fazendo regime. Ela não o olhava diretamente, ele achou que era pelos olhos inchados. Ele não perguntou, ela também não. Mesa posta, ela foi comer com a certeza de que algo havia se transformado. Ela.

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