23/09/2010

... tenha piedade de nós

Hoje aconteceu uma coisa que me deixou bem triste. Estava em um farol na Avenida Queiróz Filho com a Gastão Vidigal, onde um homem que tem alguma problema na coluna (ele vive curvado) pede dinheiro todos os dias. O sinal abre e eis que uma senhora, de cabelos loiros avolumados por laquê e óculos com detalhes dourados, avança sobre o moço, que terminava de atravessar a avenida em frente ao carro dela. Não contente em acelerar o carro, ela ficou esbravejando, batendo com as mãos sobre o volante. O estadardalhaço foi tanto que consegui ver tudo isso estando atrás dela. O moço se locomove com dificuldade, acho que isso só piorou o mau humor da perua velha.

Ele está ali todos os dias, sempre pedindo dinheiro. Nunca ameaçou ninguém, nunca o vi ser incoveniente. Tem pessoas que já o conhecem e levam roupas e comida. Ele é muito do bem, com um semblante sempre simpático, fala baixo. Nunca dei dinheiro, e ele nunca se ofendeu ou fez cara feia com a minha negação (o que, infelizmente, não é comum hoje em dia).

Depois que a mulher avançou o carro para cima dele, o olhei diretamente no rosto. Estava com cara triste, macambúzio. Não sei se por isso ou outro tropeço do destino, mas o moço não estava bem. Aquilo me atingiu ainda mais. Viver no farol pedindo dinheiro não deve ser a melhor coisa do mundo, mas ele sempre me pareceu animado. Hoje a perua loira avança contra ele e então ele entristece. Se já estava mal, só piorou.

Parabéns, senhora. Espero que, ao longo do seu caminho estressado, não faça mais vítimas da sua pressa egocêntrica.

18/09/2010

Chuvas, homens e equilíbrio

Se o tempo ousa ser esquizofrênico - num dia faz calor de verão, no outro venta, chuvisca e o frio é de arrepiar o pelo mais escondido do corpo -, por que, então, exigir que os homens sejam coerentes e equilibrados? Se a grande, e sábia, mãe natureza tem permissão para agir como um demente na ala mais perigosa do hospital psiquiátrico, por que nós, pobres coitados, formiguinhas diante do cosmos infinito, devemos nos comportar como um exército disciplinado?

Alguns dirão que o que separa a nuvem de chuva, ou uma massa de ar quente, do homem é o fato de sermos um organismo mais complexo. E, mais além, o que nos diferencia dos animais pimpolhos que se acasalam em qualquer lugar, sem nenhum pudor, é a racionalidade e, mais ainda, a escolha.

Ok, ok, mas eu quero ir além. A desestabilidade, e a incoerência, do ser humano o leva a criar, a investigar, a tentar voar, a construir, a se aventurar e, também, a fazer muita cagada. Se todos seguissem uma mesma linha ideológica, falássemos a mesma língua, fossemos todos especializados no mesmo assunto, então talvez eu nem estivesse escrevendo essas bobagens aqui. Porque não existiria o computador, e talvez nem eu existisse.

What I'm trying to say is: seres humanos equilibrados não fazem evolução, não são charmosos e não exprimem paixão. Assim como à natureza, o desequilíbrio é inerente ao ser humano. Os equilibrados são importantes para puxar os desequilibrados para o chão. Mas não são eles que levam à transformação.

11/09/2010

Receita de feijoada

Receita de feijoada: feijão preto, porco (lombo, pé, orelha, costelinha, bacon, paio e calabresa), carne seca, cebola, alho, louro, pimenta e sal a gosto. Coloque as carnes salgadas de molho durante um dia, trocando algumas vezes. Depois, dê uma aferventada nelas e, então, jogue-as na panela com feijão e louro, as macias por último. Cozinhe durante horas, checando o cozimento das carnes, e, por fim, jogue o alho e a cebola refogados. Coma com arroz branco e couve fininha e refogada. Torresmo e laranja também.



Vegetarianos, não se iludam. Feijoada sem carne jamais terá o mesmo gosto, ainda que a receita leve tofu defumado. Quem quer emagrecer é melhor se contentar com outro prato, porque a feijoada com as carnes cozidas separadas do feijão é uma lástima. Porque o bom mesmo é o gostinho (e a gordura) que o feijão pega das carnes de porco e boi. Sem isso, é feijão preto normal, também bom, mas jamais uma feijoada. Eu mesma não curto muito as carnes, mas o feijão fica simplesmente outra coisa. Diliça!

Então por que alguns lugares servem essa feijoada golpista, em que o feijão fica de fora da feijoada? Tudo bem servir tudo separado, mas eles devem ser feitos juntinhos. E aquele sabor inigualável da banha do porco que tempera os grãos pretinhos? E o caldo, com seu aroma e consistência característicos? Protesto aos estabelecimentos que não respeitam a receita tradicional! Quer comer feijão com carne seca e linguiça? Não perca tempo dizendo que é feijoada. Feijoada é G-O-R-D-U-R-A. E tenho dito.

Uma música para os amigos aprenderem a fazer feijuca direito.

Feijoada completa (Chico Buarque)

Mulher
Você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as lingüiças pro tiragosto
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Você vai fritar
Um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-bahia ou da seleta
Joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Depois de salgar
Faça um bom refogado, que é pra engrossar
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão


09/09/2010

Último dia em Buenos Aires



No último dia em que estive em Buenos Aires, queria fazer um piquenique nos parques de Palermo. Mas o dia estava gelado, ameaçando chover. Melhor não. As meninas tinham o que fazer, afinal, era segunda-feira, e eu fui conhecer a livraria El Ateneo, na Avenida Santa Fé. Depois fique perambulando, fui até ao Buenos Aires Design, na Recoleta (adooooro, comprei um minidespertador retrô para mim) e voltei para a casa das meninas.


(ah, na manhã desse dia eu comprei frutilla, o mejor, frutillones!)

Almoçamos tartas com ensalada, na casa delas, e depois fui a um supermercado ver se encontrava um vinho que um amigo havia pedido. Não encontrei e comprei os meus no chino, que era mais perto da casa das meninas e mais barato. Depois, eu e a Gabi fomos ao Malba a um debate do livro do mês. O autor do dia era o Liniers e, o livro a ser discutido, El Arte, de Juanjo Sáez. Para quem não conhece, Liniers é um quadrinhista (ou quadrinista? rs) argentino, famoso naquele país e que escreve (desenha) para a Folha. Ele escolheu o livro de um espanhol, o Sáez, que fala de arte de forma muito corrosiva, perspicaz e humorada. Tudo em quadrinhos. Amei!!! No fim, teve degustação de vinho - e, gente, o debate era de graça.


(o debate foi incrível!)

Pois bem, saímos de lá e fomos para um bar perto da casa das meninas encontrar com Vicky. Estava frio, mas o bar tem um sofá na calçada, não tinha como ficarmos em outro lugar. Foi um fim de noite lindo, ótimo! Pena que fui dormir às 2h30 e tive que acordar às 4h40 para pegar o táxi de volta para o Brasil. Agora, fico pensando, quando volto a Buenos Aires? Que saudades!! E que estadia linda!! Muito obrigada às queridas Gabi e Vicky.


(bar com o sofá dos 'Friends')

O Peru é aqui - Abasto, Buenos Aires

No mesmo dia da Feria de Mataderos (post anterior) fomos a um restaurante tradicional peruano, o Mamani. Fica no bairro de Abasto, atrás do shopping de mesmo nome. Apesar de chique, o centro comercial (que fica num incrível prédio restaurado, onde funcionava um mercado) não conseguiu revitalizar todo o entorno. Não é nem um pouco parecido com uma "villa" (favela), mas podia ser mais bem cuidado. Afinal, Buenos Aires é uma cidade tão linda! O bairro é tomado por peruanos, por isso o fato do restaurante estar ali - e, por favor, não julguem isso pela descrição do bairro. Há peruanos da cozinha ao caixa, no salão e sentados à mesa. Bom sinal - prova de que a comida deve ser bem fiel ao país de origem.


(o ceviche gigante)

Pedimos ceviche mixto - com peixe, lula, camarão, polvo, marisco, milho, papa, batata, cebola e leche de trigo. Papa aqui é batata, e batata, batata doce. Uma delícia. Só o peixe não estava 100% porque tinha umas nervuras - acho que não foi cortado como ceviche. Mas tudo estava deliciosamente combinando e fresco. A porção é enorme, com várias texturas...


(meu prato de ceviche... até parece que só comi ele...)

De principal, fomos de tacu-tacu (não tirei foto, estava tão empolgada...) - arroz com caldo de feijão e lomo (mignon em tiras) com cebolla y morrones (pimentões). Tomamos Heineken de 1 litro (26 pesos, cara). Achei engraçado que no cardápio há vários pratos chineses. E eu pensando que a comida nipo-peruana era bem representativa do país... E a chino-peruana? Cadê esse tipo de cozinha no Brasil?


(Vicky e Gabi, fofas!)

Feria de Mataderos - Buenos Aires


(ovejaaaaasssss)

Dando continuidade à minha curta viagem no fim de agosto para Buenos Aires...

Mataderos não é um bairro muito amigável. Fica no extremo norte de Buenos Aires, ao lado de Ezeiza, cidade onde está o aeroporto internacional que leva o mesmo nome. A perifa da "cidade mais europeia da América Latina" não tem nada do glamour do centro. Perifa é sempre Perifa. Pegamos o 141 rumo à Feria de Mataderos e, logo no início, o motorista nos disse que nos deixaria num ponto e que teríamos que pegar outro ônibus para chegar até lá. E que não era para irmos a pé. Fomos saindo do centro e a cidade foi ficando cada vez mais interiorana, mais simples, mais pobre. Muito movimento e, depois, quase ninguém na rua. Era quase 1 da tarde de um domingo. O motorista nos deixou no ponto e nos fez prometer que não iríamos a pé. Tá bom, não fomos. Esperamos o 80 (linha que ele havia indicado) e ele não chegava. Em menos de 10 minutos, dois carros pararam para falar conosco. Melhor pegar um táxi.


(A Gabi ficou brother do minicavalo e da minillama)

O único que passou por nós logo nos perguntou: "Vocês sabem onde estão? Já vieram aqui?" Enfim, não. Uma quadra adiante começava uma favela imensa, a maior de Buenos Aires, segundo o motorista, uma "villa" (pronuncia-se vixa) - me disseram aqui nos comentários que é a Villa 15, conhecida como Ciudad Oculta. O motorista disse que era arriscadíssimo ficarmos ali, no ponto, sozinhas. Por isso o ônibus nos deixou ali, antes da "villa". Não que eu tenha medo de passar na frente de uma, mas não tínhamos pensado que isso aconteceria, e não havíamos escolhido a roupa mais sussa para tal. Estava na cara que não éramos dali, mas tudo bem - pegamos o táxi e fomos. O taxista nos disse para sairmos pelo outro lado da feira, menos perigoso e com mais linhas de ônibus para o centro. Descobrimos que o 92 para ali também - e nos deixou a uma quadra de casa.


(alfajores diferentes)

A feira é o máximo. A Gabi queria visitá-la há muito tempo, mas ninguém queria ir com ela. Essa fama de perigosa é real mesmo, mas jamais afetou nossa vontade, mesmo porque não passamos medo real algum. Eu também queria ter visitado da outra vez que estive em Buenos Aires, mas era tão longe...


(tamales)

Lá tem gente de tudo quanto é tipo: branco, índio, pobre, não-pobre, turista (poucos, os mais descolados), muitos idosos, adultos e jovens. Comemorava-se o Dia Internacional do Folclore (22 de agosto). No palco, várias atrações regionais, e nada de tango. Quem manda ali é a cultura criolla, do campo. Também tinha um minicavalo e uma llama em miniatura para levar crianças para passear, no meio da galera. Para comer, parrillada, choripan (pão com linguiça), tamales, locro e um sem fim de doces fritos ou assados, além, é claro, das empanadas. Há muita coisa de lã e couro na feira, e muitos artesanatos bonitos. As comidinhas artesanais também nos fizeram perder bastante tempo: milhares de tipos de queijos, salames, mel, compotas doces e salgadas, licores, chocolates, doces regionais (descobri que há vários tipos de alfajores), doce de leite, vinhos, azeites! É tudo artesanal e bonito; tem bastante produto de Mendoza e Jujuy - duas províncias do país.


(Pachamama)

Depois de horas de caminhada, sentamos em um restaurante bem simples, instalado em uma construção antiga. A feira fica em frente desse casarão lindo, que parece a casa da fazenda de uma antiga fazenda. A Gabi pediu locro, uma espécie de feijoada mais suave, com feijão branco, canjica e grãos de milho gigante, com tempero leve e carne vermelha com algum osso. Chegamos à conclusão de que a feijoada realmente não tem nada de original: puchero e cassoulet já existiam antes dela. Talvez o locro - a versão latina dos Andes - tenha sido contemporâneo. Eu pedi tamales, uma pamonha enrolada na folha do milho, mas com massa mais parecida com a polenta e recheada de carne. Com o molho chimichurri fica uma delícia! E Quilmes. Siempre. Compramos uns cubanitos de sobremesa, em uma barraca. Uns tubetes gigantes recheados de doce de leite. Delícia! Vimos parte do show (lotado) de um senhor índio simpático que cantava à Pachamama (não lembro o nome dele e perdi o link do evento, dãr).


(cubanitos)


(quesos)


(eu e a placa)