25/10/2010

São Paulo é um ovo

Não tenho passado dias de glória. Muito pelo contrário. Tudo está pesado, difícil, moroso. Nessas horas, como já disse antes, tento transferir minha energia para outro lugar, que não a poltrona de veludo da depressão. Tem dado, na medida do possível, certo. Hoje eu estava com uma preguiça terrível, vontade de ficar em casa debaixo das cobertas - minha casa estava gelada, apesar de lá fora o tempo estar ameno, quase quente.

Deixei a preguiça na geladeira e saí. Fui ao cinema com amigas queridas. Filme ótimo, ri muito, quase chorei. Dois irmãos, película argentina dirigida por Daniel Burman, é das melhores (acima, Antonio Gasalla e Graciela Borges em cena). Narra a difícil convivência entre um homem totalmente altruísta e sua irmã, esgoísta e manipuladora ao extremo. Eles não são mais jovens, passaram dos 60 (os dois atores nasceram em 1941). Muitas piadas, muita dor, muito amor. É isso que os une. E é bonito ver esse drama com tanta graça e delicadeza. Teve gente que não gostou, achou aqueles conflitos familiares um porre. Eu me diverti. Muito. E tínhamos presença ilustre na sala de exibição. Lázaro Ramos estava lá, sentado nas melhores cadeiras. Isso também foi motivo de risos e gracejos.

Depois, um jantar despreocupado, com várias ligações inusitadas. A amiga da amiga que conhece outra amiga... o namorado da primeira que trabalhou com um amigo meu da escola. São Paulo é um ovo, um ovo de pessoas conhecidas e adoráveis. É bom estar em uma cidade como essa quando a depressão te chama e você é mais forte do que ela para se abater.

Obrigada, São Paulo, por me cuidar tão bem. E por me cercar de pessoas tão bacanas.

Boa noite.

12/10/2010

O cravo brigou com a rosa

Hoje tentei me lembrar dessa música, mas não conseguia. Confundia a primeira com a segunda estrofe. Foi uma música muito presente na minha infância, e nem sabia o que ela significava. Agora, lendo sua letra, percebo que ela - que é tão cética - muito tem a ver comigo - na fase adulta, sempre tão pessimista e ao mesmo tempo sensível, sentimental. É uma letra despretenciosa, mas de uma verossimilhança incrível. Fica aqui um pouco da ingenuidade da infância, de quando não sabíamos o que significavam as letras, e cantávamos sem indagar. Um pouco daquilo que não podemos perder nunca.

O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada

O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar

11/10/2010

A palavra experenciar não foi encontrada.

Experienciar... eu sempre nutri ódio incomensurável por essa palavra. Tive a infelicidade de escutá-la pela primeira vez na faculdade, dita por um professor com vários títulos e respeitado em sua área. Pior: foi repetida diversas vezes por alguns alunos menos contestadores que eu. Olhe como um professor pode levar seus pupilos ao fracasso: se um dia eu estiver conversando com um sujeito e ele disser "experenciar", ou qualquer uma de suas conjugações, vai perder credibilidade. E isso pode ser bem ruim, principalmente se ele for uma fonte.

"Experenciar" não só é horrenda como não existe. Que tal usar "experimentar", "testar", "aproveitar", "avaliar", "praticar", "sentir"... há um sem número de palavras que podem ser usadas no lugar desta, que foi inventada por algum imbecil e caiu no uso cotidiano. O Houaiss me diz: "A palavra experenciar não foi encontrada." Eu acredito nele. Ah, você não gosta do Houaiss? Que tal o Michaelis? Ou o Aulete (de acordo com a nova ortografia)?

O inglês "try" congrega todas as possibilidades para esse verbo-fantasma, e os moradores de países de língua inglesa têm a sorte de nunca terem ouvido "experenciar" na vida. Queria ter nascido "Lóra", não "Láura".

Em tempo, retomei a minha antiga guerra contra esse verbete porque hoje escutei Paulo Bonfá, na Oi FM, se corrigindo após um ato falho - dele ou do redator da nota que ele leu. "... experenciar, aliás, essa palavra que não existe,..."

Aprendeu?

10/10/2010

Quando a vida começa a patinar

Eu sou "contra" a depressão. O que eu aturo, no máximo, é uma melancolia, mas a depressão não me pega. Acho que o indivíduo deprimido produz um tipo de endorfina da tristeza que o faz ficar bem. Sabe? Ele precisa daquele estado para se sentir bem. Não que a depressão seja algo bom, mas os deprimidos meio que precisam dela, se acolhem nela, se identificam com ela... Eles ficam patinando, não saem do lugar, e não conseguem sair porque essa droguinha fica falando que ali está bom, que ali é conhecido, que ali é quentinho.

Essa semana foi péssima para mim. Se caísse um raio em São Paulo, ele escolheria minha cabeça como alvo. Outro dia fui tirar dinheiro do caixa eletrônico e veio uma nota de 20 reais rasgada ao meio. "Quando o negócio está ruim, o urubu de baixo caga no de cima", diria minha mãe. Sábia.

Mas eu tenho um negócio que não me deixa ficar quieta. Eu, naturalmente, transfiro a energia negativa para outra coisa: trabalho mais, bebo mais, estudo mais, gasto mais dinheiro... Nem sempre canalizar para outra coisa traz um saldo positivo. Mas é assim que acontece. A ideia de ficar no mesmo lugar me assusta, dá medo mesmo, gera os mais deprimentes pensamentos. Para mim, o estado de não sair do lugar é depressivo, por isso eu o afasto.

Só que há momentos na vida (que frase mais horrorosa, credo! Vou começar de novo). Só que às vezes eu me sinto patinando ao mesmo tempo em que quero voar. Esmagada por um muro de concreto, ou afundando na areia movediça com uma força para sair dela maior do que eu. Estou assim. Sapateando no mesmo lugar, como fazem os deprimidos, sentados em sua poltrona de veludo do desgosto. Mas, diferente deles, eu não gosto e não quero ficar assim. Me sinto com as asas cortadas e com toda a energia para voar - toda ela sendo subjugada, reprimida.

E esses dias de frio, chuva, a tendência é só piorar. Sou como sapo ou o lagarto, pecilotérmico. Preciso do sol para me esquentar.